Porque Larry Kramer tem que ser lembrado por salvar o mundo da evolução da AIDS

Larry Kramer morreu na semana passada aos 84 anos e ganhou obituários o apresentando como um escritor, dramaturgo e ativista pelos direitos dos homossexuais. Mas não, Kramer foi muito e muito mais e se nos últimos 30 anos os portadores do vírus da AIDS – independente de gênero sexual – passaram a parar de morrer em massa e ter em grande maioria uma vida normal devido aos medicamentos (mesmo que a vacina nunca nos 40 anos da doença não foi descoberta e isso pode nos alertar do que pode vir em relação ao Ecovid 19) se deve muito à luta dele para que fossem desenvolvidas pesquisas e disponibilizados remédios pelo governo americano, entenda-se a FDA – agência americana do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA. Ele, que via de perto o vírus HIV dizimar a comunidade gay e depois, em 1987, se descobriu portador (mas não desenvolveu a doença, tanto que teve forças para sobreviver a um transplante em 2013 e agora faleceu devido a uma pneumonia) acusou o governo do então presidente americano Ronald Reagan (1911-2004) de total descaso pelas vitímas serem (ainda) compostas por homossexuais. Em 1981 fundou a Gay Men´s Health Crisis, primeira organização destinada aos portadores do vírus, e em 1987 a Aids Coalition to Unleash Power (Act UP). Nessa liderou manifestações de impacto, como atirar cinzas de mortos nos jardins da Casa Branca e invasões à Bolsa de Valores de Wall Street e a catedral de St. Patrick, em Nova York. Essa impetuosidade e urgência de Kramer gerou muitas críticas mas mudou o sistema de saúde americano e garantiu o controle do vírus no mundo com o surgimento e o aprimoramento dos tratamentos.
Ele foi um herói impetuoso, guerreiro, que cresceu sendo discriminado pelo pai por gostar de teatro e literatura, no que se formou em na Universidade em 1957. Nos anos anos 60 foi para Londres, época da chamada efervescência cultural da cidade, a chamada “swinging London”. Trabalhou com cinema e concorreu ao Oscar pelo roteiro do polêmico clássico “Mulheres Apaixonadas” (1970), dirigido pelo mestre Ken Russel (1927-2011). Isso lhe abriu uma liberdade nos estúdios e ele roteirizou “Horizonte Perdido”, em 1972, de Charles Jarrot, remake do filme de Frank Capra de 1937. Um musical superproduzido e com um elenco “all star”. Assim como todo mundo, Larry odiou o filme e, mesmo com créditos na indústria, resolveu voltar para Nova York e ser escritor. Em 1978, escreveu “Faggots”, retratando a explosão libertária do “gay people” nas discos novaiorquinas e na praia de Fire Island. Em 1985, lançou sua peça teatral autobiográfica, “The Normal Heart”, versada como telefilme em 2014 por Ryan Murphy – ele mesmo, o criador de séries “Glee”, “American Crime Story” e recentemente “Hollywood”, entre muitos outros êxitos, e estrelada por Mark Ruffalo, Julia Roberts, Jim Parsons e Alfred Molina. O canal a cabo HBO está com o documentário “Larry Kramer in Love & Anger”, dirigido por Jean Carlomusto, e “The Normal Heart” em sua programação. São imperdíveis, o que faz estarem de acordo com a rica trajetória de tristezas, alegrias, batalhas, perdas e vitórias de Larry, que nos últimos anos produziu obras literárias como os dois volumes de “The American People”.