“Rogéria- Senhor Astolfo Barroso Pinto” mostra o quanto e desconhecida era a coragem da artista

Muito ainda tem que ser feito em relação aos direitos humanos no Brasil. Tanto que aqui temos, infelizmente, um dos maiores índices mundiais de assassinatos de homossexuais, trans e travestis. Mas se o público hoje pode ver essa grande parcela da sociedade na televisão, cantando e/ou interpretando, em todos os horários e exigindo o seu devido respeito, imaginem como era há 50 anos. “Rogéria- Senhor Astolfo Barroso Pinto“, de Pedro Gui, com roteiro de Dostoiewski Champangnatte, nos traz Rogéria (1943-2017) que sempre foi Astolfo, seu nome de batismo. Homossexual, Rogéria assumiu os característicos cabelos longos e a feminilidade na maneira de vestir nos anos 60, quando foi para a Europa, e retornou uma estrela. Sim, uma celebridade que aparecia no horário nobre na televisão e que pessoas de todas as idades gostavam, ou quase. Tanto que ele próprio titulou-se “A travesti da família brasileira”. Se isso era público, o documentário vai mostrando elementos da vida de Rogéria que para muitos eram desconhecidos.
E Rogéria vai contando, em entrevistas feitas um ano antes de sua morte, sobre o fato de ser uma criança afeminada e o apoio recebido da mãe – que em certo momento aparece em um vídeo antigo mandando um abraço para todas as mães de homossexuais. Rogéria anda pela Galeria Alaska, mostrando o local que era o teatro onde foi dirigida por Bibi Ferreira em “Gay Fantasy”, dirigida pelo ícone Bibi Ferreira (1922-2019) que lotava todas as noites (isso na década de 60). A amizade com as estrelas famosas já vinha do tempo que era o Astolfo apenas. Maquiador, cuidava de nomes como a própria Bibi, Betty Faria (uma das depoentes durante todo o filme). Isso a faz lembrar que se recusou a maquiar Jô Soares, afinal, quem era ele ? Um desconhecido para quem tocava na pele dos mais conceituados nomes da dramaturgia. Jô lembra disse em cena de entrevista com Rogéria paro o seu programa e quando ela deixa escapar um dos seios, que fica à mostra. Nas cenas feitas na rua, o público pára ela pedindo fotos. E ela narra que mesmo sendo uma mulher no visual, se sentia e gostava de ser Astolfo, o que nunca a fez querer ser operada para mudar de sexo. A Rogéria aparecia com a maquiagem, os refletores.
O talento foi seu grande trunfo. Além do seu berço original, o teatro, Rogéria fazia televisão – os shows musicais de programas no horário nobre da Globo, assim como novelas (fez “Tieta”, dirigida por Aguinaldo Silva, outro participante durante todo o filme), e cinema. Uma vedete, uma “show woman”em diversos idiomas, excelente cantora e atriz. Enfim, um espaço que muitos gays, trans e travestis pensam ter sido adquirido agora. Rogéria o teve como ninguém há cinco décadas e foi perpetuado até sua partida. Uma pausa para um terrível acidente de carro que fez com que ela pensasse que tudo havia terminado pelas cicatrizes deixadas em seu lindo rosto. Mas ela voltou! E como! Não vamos dizer que a coragem na vida tenha sido do Astolfo, talvez lado feminino que a fez lidar com as adversidades desde criança. Tem muito a se ver em “Rogéria- Senhor Astolfo Barroso Pinto”, por ela e os depoimentos de Bibi, Aguinaldo, Betty, Jô, o ator e diretor Aderbal Freire Filho, Rita Cadillac, Jane Di Castro e Brigitte de Búzios (1944- 2018), entre outros. A ressaltar, as interpretações do ator Alessandro Brandão, interpretando – de modo brilhante -em ambiente de palco – diversos momentos da vida da retratada. Uma grande atração de cinema e à altura de Rogéria /Astolfo.
Produzido pela BR Produções e a distribuído pela Pagu Pictures, “Rogéria- Senhor Astolfo Barroso Pinto” entra em cartaz nos cinemas à partir dessa quinta-feira, dia 31 de outubro.