Título óbvio: Daniel Day-Lewis é monstro da dramaturgia e Trama Fantasma é mais que obra-prima

Esse título tem uma metade que todos os conhecedores de cinema irão concordar e outra que pode dividir os que ainda irão assistir o filme de Paul Thomas Anderson. Para mim foi fascínio puro. Claro que existe o impacto da atuação do ator britânico, mas “Trama Fantasma” (Phantom Thread) não é um filme de fácil assimilação por parte do público que não é acostumado à obra de Anderson, lembremos de “Magnólia” e “Sangue Negro“. Esse último um dos três Oscars da carreira de Lewis (2007), sendo os outros “Lincoln” (2012), de Steven Spielberg, e “Meu Pé Esquerdo” (1989), de Jim Sheridan. Agora, ele concorre ao quarto Oscar e é o grande merecedor, sem desfazer no trabalho de Gary Oldman (que também é inglês) por sua caracterização perfeita e transformadora como Winston Churchill em “O Destino de uma Nação“, de Joe Wright. Mas se é para se falar em justiça com um ator irretocável, daqueles de ser objeto de estudo, a estatueta vai para Day-Lewis, que diz que esse é seu filme testamento, já que irá se aposentar. Quanto à Oldman uma curiosidade: ele foi casado com a atriz Lesley Manville, que vive no filme Cyrill (marcante no papel e candidata a atriz coadjuvante), a irmã do personagem de Day-Lewis, o estilista Reynolds Woodcock.
Não se tem que falar e sim ver e interpretar o que Anderson roteirizou, dirigiu e mostra na tela no protagonista Woodcock. Um estilista de alta costura na Inglaterra dos anos 50, seu perfeccionismo e idiossincrasias – que podem estar demonstradas nas anotações por ele colocadas nos forros de suas criações , as ligações fugazes e não bem estabelecidas em sentidos com as mulheres, talvez resultado da relação edipiana com a mãe morta, o encontro com a garçonete que vira musa e que não por acaso tem o nome latino Alma (a luxemburguesa Vicky Krieps) e daí a abertura do leque para as leituras de jogos de poder e um suspense que se cria. Para isso o auxílio luxuoso da música incidental (o que sempre pode ser muito perigoso em uma produção que se propõe a não ser comercial em conteúdo) composta por Jonny Greenwood, o baterista do Radiohead, que vai no ritmo das emoções e dos sons que tem grande importância no sentido da história. Pode até ser feita uma comparação às trilhas de Bernard Herrmann para os clássicos de Alfred Hitchcock. O suspense e o chegar a fazer da música um personagem são semelhanças. Mas, claro, Herrmann foi Herrmann!
Voltemos a maestria de Daniel Day-Lewis. Olhares, expressões, gestos são alguns dos componentes que o deixam magnânimo na tela. Perfeccionista como é conhecido desde o início da carreira. Para ser Reynolds Woodcock, Lewis estudou a alta costura dos anos 40 e 50 e foi ser aprendiz de Marc Happel, o responsável pelo figurino do New York City Ballet. Não satisfeito, recriou um modelo do lendário Cristóbal Balenciaga e o fez diretamente no corpo da mulher, a realizadora e atriz Rebecca Miller. Na sequencia, desenhou o vestido de seda lilás rosado que é assinatura do personagem no filme. Mas todas essas questões – de grandíssima valia – são apenas detalhes perto do talento de Day-Lewis no ofício de atuar. Se sua filmografia se encerra aqui ou haverá uma mudança de ideia, só o tempo..