Em entrevista exclusiva, o cineasta americano Antonio Campos nos fala sobre seus filmes, como o recente, “O Diabo de Cada Dia”, e sua precoce trajetória na arte

Se você quiser dizer o nome de um diretor que venha a ter a aura dos grandes cineastas brilhantes das décadas de 60, 70 e 80, aposte no de Antonio Campos. No momento atual com o seu “O Diabo de Cada Dia” (The Devil all the Time) , um êxito pela Netflix, o norte-americano nascido e criado em Nova Iorque, filho do jornalista brasileiro Lucas Mendes e da produtora de cinema ítalo-americana Rose Ganzulla, Antonio conversou com o blog Ranieri Rizza, com exclusividade e direto do Chile, terra da sua esposa, a editora de imagens Sofia Subercaseaux, que espera o segundo filho do casal, com o pedido de que isso acontecesse em inglês, idioma que domina mais que o português. Com apenas 37 anos, recém completados, Antonio vai muito além do que se pode definir como “revelação”. Começou a ser um frequentador de cinema, levado pelos pais, aos sete, oito anos. Aos 11 passou a escrever e aos 13 fez seu primeiro curta experimental na New York Film Academy. A estreia oficial em direção foi em 2005, com “Buy it Now“, vencedor do Cinefondation do Festival de Cannes. Em 2008 assinou o longa-metragem “Depois da Escola” (Afterschool), apresentado na mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes daquele ano. O filme apresentou ao cinema o ator Ezra Miller e colheu críticas positivas por mostrar um formato muito autoral e ousado tanto na estética quanto na temática que tratava de adolescentes e o mundo digital. Em 2012, ele teve Paris como cenário para a jornada psicológica e violenta de jovem americano em “Simon Killer“. Já em seu terceiro longa, “Christine“(2016), Campos se apropria da história verídica da jornalista Christine Chubuck (1944-1974), enfatizando suas angústias e auto depreciação que a levaram ao suicídio em frente às telas. Ali, o destaque para mais uma vez o tratamento dado pelo diretor ao acontecido que ficou marcante na América, assim como a excelente reconstituição de época. Isso, o lidar e interesse pelas tramas em épocas já passadas, que tanto atrai quem conhece e admira os realizadores, e que fizeram um cinema com tanta autonomia que não tiveram sucessores, que pode ser dado um patamar para Antonio. Em “O Diabo de cada Dia”, ele lida em seu roteiro, feito junto com o irmão Paulo Campos, com muitos personagens que transitam pelo meio oeste americano, entre Ohio e a Virgínia, entre as décadas de 40 e 60, narrados pelo próprio autor do livro “The Devil all the Time” em que se baseia, Donald Day Pollock (no Brasil foi lançado em 2011 com o título “O Mal nosso de cada Dia“). Compõem essas vertentes humanas um ex-combatente de guerra e sua mulher doente, um pastor decrépito, um jovem que pensa ter o compromisso de consertar injustiças, um pregador, um xerife corrupto, um casal de “serial killers”, interpretados por nomes como Robert Pattinson, Tom Holland, Bill Skarsgard, Mia Wasikowska, Sebastian Stan, Jason Clarke, entre outros.
RR – Antonio, pergunto primeiro se foram muitas e quais foram suas referências cinematográficas para “O Diabo…”?
AC – Neste filme em particular, passamos muito tempo revisitando filmes americanos dos anos 70. Eu me foquei em obras épicas e extensas, então voltei meu olhar para obras como “O Poderoso Chefão” – em principal o segundo da trilogia do Francis Ford Coppola; “O Franco-Atirador” (The Deer Hunter), do Michael Cimino; “O Portal do Paraíso” (Heaven´s Gate), também do Cimino; “Cinzas no Paraíso” (Days of Heaven), do Terrence Malick, de quem também trago “Terra de Ninguém” (Badlands). O trabalho do diretor de fotografia Gordon Willis (1931-2014) é de grande importância em títulos como “O Poderoso Chefão” e do Alan J. Pakula, como “Todos os Homens do Presidente” (All the President´s Men) e “Klute -O Passado Condena” (Klute). Nosso interesse foi criar cenas internas muito escuras, onde deixamos um tanto de sombras para contrastar com o brilho exterior. A maioria das coisas horríveis nos filmes realmente acontece em plena luz do dia.
RR- Você é um diretor jovem e com uma considerável trajetória. Como surgiu esse interesse pelo cinema e com que idade?
AC – Tudo começou quando eu tinha uns sete, oito anos. Meus pais sempre me levavam ao cinema e eu fiquei obcecado em assistir filmes como “Os Caça-Fantasmas“, “De Volta para o Futuro” e “Indiana Jones” e mais e mais. Então, quando fiquei mais velho, com 10 ou 11 anos, passei a ter interesse pelas obras mais voltadas para os personagens, assim como também os filmes estrangeiros e independentes. Nessa época eu vi “Conte Comigo” (Stand by me) e “Os Incompreendidos” (Les quatre cents coups – clássico francês de François Truffaut em 1959) e percebi que, mesmo sendo uma criança, eu tinha algum tipo de história para contar minhas próprias experiências. Então comecei a escrever muito naquela época, mantendo um registro de tudo que acontecia e coisas engraçadas que as pessoas diziam. Isso acabaria por se transformar em cenas e diálogos. Fiz um curta aos 13 anos na New York Film Academy.
RR -Em seus longas-metragens, podemos sentir um mergulho profundo nos percalços da alma humana. Assisti aos seus três longas e tive essa impressão (o que me fascina). De roteiros de ficção (Afterschool, Simon Killer), um biográfico (Christine) e agora na adaptação (junto com seu irmão Paulo Campos) do livro de Donald Ray Pollock. É sua preferência tratar de temas mais densos?
AC– Sim, eu acho que sim. Eu realmente não percebo esses aspectos enquanto escrevo ou faço os filmes. É só quando eu termino com isso e mostro para as pessoas que me lembro disso. Eu sinto que nunca fiz o mesmo filme duas vezes, mas há aspectos específicos da condição humana nos quais estou sempre interessado. Estou empenhado em passar um tempo com tipos que poderiam possivelmente ser os bons ou vilões em outra história, mas são os personagens principais. Estou curioso para saber onde está a humanidade em cada um.
RR – O que você gosta no cinema brasileiro e quais suas referências dele?
AC– Sempre me interessei pelo calor e pela vida nos filmes brasileiros que vi, até mesmo nos filmes que tratam de assuntos mais sombrios. Um filme que vi quando criança com meu pai e que sempre ficou comigo foi Bye Bye Brasil, do Cacá Diegues. Algo que sempre me interessei em explorar é uma espécie de nostalgia sonhadora, como em um filme de Fellini. Bye, Bye Brasil tinha essa qualidade. Espero poder fazer algo sobre minha infância visitando o Brasil e contar a história de meu pai e nossa família em Minas Gerais. Acho que seria uma comédia.
RR – Você pode falar sobre sua vida neste momento de pandemia? Quais são seus próximos projetos?
AC– Estamos indo bem. Minha esposa é editora de imagens e eu tenho escrito uma série de TV. Estamos passando um tempo no Chile e trabalhamos em casa. Meu próximo projeto é uma adaptação do documentário “The Staircase” e será estrelada pelo Harrison Ford.
RR- “The Devil…” tem 2h18 de duração e é uma grande produção. Como foi faze-lo?
AC– Parece maior do que realmente do que realmente é. Foi, de modo definitivo, a maior coisa que já fiz, mas ainda com um orçamento de filme independente e tivemos que ser econômicos nos gastos. Foi uma filmagem muito desafiadora, principalmente por causa dos problemas climáticos no Alabama, onde foi rodado, mas ao mesmo tempo uma experiência maravilhosa trabalhar com a equipe, o elenco e a Netflix.
"Campos no set de "O Diabo de Cada Dia